No
nosso rincão diz-se que "é da mesma Laia" quando em referência a uma
pessoa da mesma classe social, da bagaceira, farinha do mesmo saco. Os meninos
danados, da minha laia, residiam no famoso "QUADRO DA RUA", que era o
nosso mundo e palco das nossas estripulias e diatribes. A lagoa era o nosso
pedinho do céu aqui na terra, especialmente o "Poço da Matuta" e o
"Poço dos Homens", margem da lagoa, cujo acesso dava-se pelas ruas
Nossa Senhora da Conceição e Marechal Floriano.
Vivíamos
livres, como livre é a brisa que farfalha nos leques dos carnaubais que
circundam a nossa outrora piscosa Mãe-Lagoa. A primeira imagem que me vem à
memória, com as tintas vivas da saudade é a das primeiras chuvas invernais.
Quando batia a primeira chuva forte, de pronto despertava a emoção festiva da
meninada que residia no entorno da nossa sagrada Igreja-Matriz. Até hoje são as
melhores bicas para se tomar um refrescante banho de chuva na cidade. Aos
primeiros acordes de som característico da copiosa chuva, a gurizada corria para
disputar as bicas da igreja, com seus grossos jorros d’água. Geralmente éramos
'batizados" com ninhos de andorinhas que desciam nos jorros d’água sobre
nossas cabeças de meninos vadios.
Tarcísio
e Chico, honrados e dedicados filhos de Sêo Chico Paulo e dona Moça foram,
também, meus colegas nos bancos do Grupo escolar Ferreira Pinto, instalado onde
hoje funciona a Escola Estadual Prof. Gerson Lopes, defronte à Praça Getúlio
Vargas, (Atual Praça Dom José Freire), praça central da nossa amada cidade.
Nesses dois meninos supimpas e legais encontramos a certeza que a melhor coisa
da vida é o gosto pela amizade e o prazer da convivência. O Tarcísio era mais
afável, sem a disposição imediata e arremates para os embates físicos, as
rápidas brigas travadas, em que predominavam as dentadas e os arrancos dos
cabelos.
Às
vezes o oponente utilizava a artimanha de, logo no início da briga, jogar areia
nos olhos do rival, para inviabilizar ou mesmo diminuir as ações do contendor.
De sorte que o entrevero era rápido, sem consequências graves, aparteado pela
gurizada ao redor, em algazarra de irritar os tímpanos. Ao fim e ao termo,
restavam somente arranhões e marcas de dentadas pelo corpo. O Chico, como tinha
elevado porte, e gênio diferente do de Tarcísio, era dado a umas lutas livres
com o Tonho de Aldeci e de Morena. Lembro-me de um incidente ocorrido com o
menino Tarcísio, ali na área de acesso ao Clube A.C.D.A.
O
portãozinho não era trancado, o que permitia o acesso da meninada. Era costume
dos meninos do meu tempo entrar naquela parte, para atirar pedras nas
andorinhas que faziam ninhos na beira-e-bica do telhado, usando baladeiras.
Aconteceu que o meu saudoso mano Marcone atirou uma pedra nas andorinhas, cuja
pedra voltou e foi cair exatamente sobre a cabeça de Tarcísio, abrindo um
pequeno ferimento, que fez um filete de sangue escorrer pelo rosto do Tarcísio,
que não fez outra coisa senão chorar. De imediato o conduzi até minha casa,
onde mamãe, em estado de aflição, socorreu-o, lavando a cabeça dele em uma
bacia grande, com água salgada, seguindo com a aplicação de pó de café, o que
fez estancar o sangue.
Contudo,
esse incidente não constituiu motivo de rixa ou intriga entre nossos pais, pois
sabiam os diabinhos que tinham. Quanto ao mano Marcone, restou conformar-se em
receber umas boas lapadas de corda molhada em seu espinhaço, aplicadas por
papai, como corretivo por tamanha peraltice. Outro episódio, que marcou a minha
infância de forma inesquecível, foi o de uma fuga para a nossa aprazível
Mãe-Lagoa, acompanhado pelos não menos traquinas Tarcísio e Chico. Para não
chegarmos atrasados para o almoço e com os cabelos ainda molhados, que
denunciaria nossa fuga, perguntávamos pela hora, às lavadeiras, que olhavam
para o sol e informavam mais ou menos a hora aproximada. Eis que, nesse dia,
inventamos de atravessar a lagoa, à nado, para o Horto Florestal, onde roubamos
umas batatas cruas para comermos e saciarmos a fome, assanhada pelo banho. Eram
plantadas por sêo Manuelzinho.
Nessa
aventura, esquecemos da hora certa para voltarmos para casa. Nossos corações
começaram a disparar diante a certeza da boa sova que papai iria nos dar, pela
traquinagem praticada. Dito e feito. Soube depois, que dona Moça pegou os seus
dois pimpolhos com "gosto de gás", tendo o Tarcísio se mijado todinho,
pelas lamboradas de cordas em seu espinhaço. Como o Chico tinha o espinhaço
mais largo suportou melhor as lamboradas de cordas. Outro dia, o Tarcísio subiu
em um pé de mamão alto, e o certo é que o mesmo como já era fino lá no alto,
torou e o Tarcísio veio abaixo com pé e tudo, indo cair sobre um canal feito
com cimento, para escoar as águas servidas da pia de lavar louças. Por sorte
não teve nenhuma fatura em seu quadril. Mas o choro foi grande, até passar a
dor. Ora, era o pobrezinho chorando e dona Moça dizendo: Bem feito! Quem mandou
você subir em pé de mamão!
Aja
e haja risadas minhas, ao escrever essas memoráveis linhas. Abraço esses
memoráveis e legais amigos.
Por Marcos Pinto (escritor e advogado).
Um comentário:
Onde se lê PEDINHO DO CÉU leia-se PEDACINHO DO CÉU.
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