No contexto do marco zero da implantação da
civilização no território Apodiense, em especial o
capitulo que trata dos primeiros mártires, que deixaram suas
marcas existenciais de sangue,suor e lágrimas no venerando e sagrado solo
desse belo rincão oestano-potiguar, sobressaem-se as
expressivas figuras dos irmãos JOÃO NOGUEIRA e
BALTHAZAR NOGUEIRA,cruelmente trucidados pelos índios
tapuais paicus a golpes de tacapes e
bordunas, nas margens da lagoa do "Apanha-Peixes", fato ocorrido
no dia 09 de Agosto de 1688. Na saga dos martírios
infligidos pelas doenças que infestavam as primitivas
matas do sertão Apodiense, aparece a exponencial figura
do sacrossanto padre Jesuíta PHILIPE
BOUREL, que, segundo alguns historiadores, teria sucumbido à
ação devastadora da febre amarela, naqueles
remotos dias grassando pela densa vegetação
nativa. Segundo relato histórico existente no volume
V da Coleção "HISTÓRIA DA COMPANHIA DE
JESUS NO BRASIL" - Séculos XVII e XVIII,
de autoria do Pe. Jesuíta SERAFIM LEITE, o Padre
PHILIPE BOUREL faleceu no lugar denominado
de "ALDEIA DO LAGO PODY" a
15 de Maio de 1709.
O venerando Padre PHILIPE BOUREL
nasceu na cidade denominada "COLÔNIA", na
Alemanha, no ano de 1659. Entrou para a
COMPANHIA DE JESUS, cujos padres e missionários eram
conhecidos como JESUÍTAS, no dia 19 de Março de
1676, com a tenra idade de 17 anos. Quando
aportou no Brasil, foi trabalhar nas
Missões Jesuítas do lugar conhecido como
"RODELAS DO SÃO FRANCISCO. Seguindo
suas memoráveis e cristãs pegadas, encontramo-lo
situado no Assú-RN, onde chegou no mês de
Dezembro de 1699, acompanhado do Padre JOÃO GUINCEL,
sendo recebidos de forma hospitaleira e gentil pelo
Mestre-de-Campo MANUEL ÁLVARES DE MORAIS NAVARRO,
comandante do famigerado "Terço dos Paulistas",
aquartelado na ribeira do Assú. Aportara na imberbe
Capitania do Rio Grande já imbuído de
catequizar os belicosos índios Tapuias Paiacus,
da nação Tarairiu, vilados pelo Ouvidor MARINHO no
ano de 1688, em lugar que ficou
conhecido como "Córrego da Missão".
No Arquivo Histórico Ultramarino,em Lisboa (Portugal) existe,
meticulosamente guardada na Caixa RN-1, 07/04/1700, uma
certidão lavrada pelo próprio padre PHILIPE
BOUREL, na sua Missão do Podi, de cujo documento
existe um Microfilme na Divisão de Pesquisa
Histórica da Universidade Federal de
Pernambuco. A consagrada e celebrada historiadora
FÁTIMA MARTINS LOPES transcreveu, na íntegra,
dito documento histórico, inserido no livro de sua
autoria intitulado "ÍNDIOS, COLONOS E
MISSIONÁRIOS NA COLONIZAÇÃO DA CAPITANIA DO
RIO GRANDE DO NORTE- pág. 254 - COLEÇÃO MOSSOROENSE -
Série C - volume 1379 - Outubro de 2003. Vejamos:
"Certifico eu o Pe. Philipe
Bourel, da Companhia de Jesus que vindo eu
no mês de Dezembro dos annos de 1699
do Assu
para a Missão do Podi da
nação Payaku pelo grandíssimo risco que
avia, por ser necessário passar pella terra
dos Maroduzes, por outro nome Jandoims nação fera e
bárbara que não somente se tinhão
gabado de me aver de matar a mim, mas
em efeito depois me acometerão na
minssa Missão atirando com muitas
espingardas, matando e cativando muita gente
desta minha Missão. Fuy acompanhado pelo
Capitão Joseph de Moraes, o qual vindo
por cabo da mais tropa não faltou com
alguma de sua obrigação provindo os
postos, e ordenando sentinelas com muito
cuidado; além de que por espaço de mês e
meio não havendo nestes desertos nem moradores
nem sustento me acudiu com todo o
necessário buscando o com grande enfado
e trabalho pelos matos; não menos acodindo
assim por suas próprias mãos, como por
um escravo que vinha a sua conta a
levantar logo casa de sobrado para
minha morada, e por ser isto assim lhe
passei esta por mim assinada neste Podi
nos anos de 1700 aos 7 do mês
de Abril.
Philippe Bourel da Companhia de Jesus missionário da Igreja
de São João Batista na Aldea do Podi.
Imagine-se a precária e calamitosa
situação vivida pelo Padre PHILIPPE
BOUREL. A situação de conflito constante
entre Colonos, indígenas e Missionários jesuítas
levou o governo central a expedir o ALVARÁ
RÉGIO DE 23 de Novembro de 1700,ordenando
que cada Missão recebesse uma légua de
terra em quadra para o sustento dos
índios e Missionários residentes,liberando legalmente
o restante da terra para a colonização
e obtendo a garantia do suprimento de
mão-de-obra aos colonos. Há que se observar que nessa légua
em quadra o Sargento-Mór de Entradas
MANOEL NOGUEIRA FERREIRA invadiu, instalando sua
fazenda num alto ou colina que ele
denominou de "Outeiro", lugar onde
nasceu o atual "QUADRO DA RUA",
enfrentando resistência do Padre Philipe Bourel,
por cujos apelos não logrou êxito, sendo
certo que já no ano seguinte de 1701
Manoel realizava trabalhos de alinhamento do
povoado,sofrendo embargo do sesmeiro Antonio da
Rocha Pita. Nascia, assim, a atual cidade
de Apodi.
Vejamos o que diz o Padre Jesuíta
MATEUS DE MOURA, em carta enviada aos
Superiores da Companhia de Jesus no Brasil,
datada de 31.12.1711, a respeito da atuação do
colega Pe. PHILIPPE BOUREL: "...O Pe. PHILIPE
BOUREL com o irmão estudante BONIFÁCIO TEIXEIRA
catequizam igualmente os não menos bárbaros paiacus. E
como defende dos inimigos por meio de soldados de El-Rey,
era muito amado deles e viviam em
comum nas aldeias, ainda que saíam alguns
meses durante o ano a recolher frutos do mato.
(Continua no próximo Domingo).
Marcos Pinto – Historiador e Presidente da
Academia Apodiense de Letras.