Já dizia o
saudoso Mestre CÂMARA CASCUDO que toda cidadezinha que se preza tem seus tipos populares,
quebrando a rotina das imagens cotidianas. Uns são loucos, outros são pinguços contadores
de anedotas e estórias, outros tantos são apenas seres maltrapilhos que entregaram
suas sinas de vida a percorrer as ruas à esmo, sem destino certo. A nossa perfilada
EDITE PÊI-PÔU era uma "doida varrida" que varava as noites escuras das
ruas da pacata cidadezinha, com o bestunto (juízo) atacado pela famosa "força
da lua". Era componente das tradicionais famílias FERREIRA LEITE e NORONHA
do município de Apodi. Nasceu a 28 de Agosto de 1913, filha legítima do Sr.
Frutuoso Américo de Noronha e Maria dos Anjos Ferreira Leite. Edite era prima de
Tião Pinto, pai de Klinger Pinto. Durante as décadas de 1960 e 1970 era figura conhecidíssima
na veneranda cidade do Apodi. Seu nome civil era EDITE LEITE DE NORONHA.
Solteirona
pelo fato de ser mentecapta, ficava
tiririca quando lhe apelidavam de EDITE
PÊI-PÔU, ocasião em que os achincalhes da
meninada e dos pinguços e desocupados
despertava-lhe tamanha ira, seguida de um
corolário de nomes feios, de fazer corar
o mais empedernido dos moralistas. O
apelido a perturbava profundamente porque
a fazia relembrar um incidente ocorrido
altas horas da noite, por volta do ano de 1955,
entre ela e o motorista do caminhão
do Coronel Lucas Pinto - o Sr. ABEL
MEDEIROS, conhecido popularmente como "ABEL
PÉ-DE-QUENGA", apelido este em alusão à
um defeito físico que o mesmo tinha
no pé direito. Abel era casado com
Vicência, irmã de Belchior Dantas. Pois bem,
à época deste ocorrido o sistema de
iluminação pública da cidade era gerado na
Usina Elétrica pertencente à Prefeitura
Municipal, ou seja, ao município, sendo
certo que a iluminação pública e
domiciliar era interrompida às dez horas
da noite. Quando faltava 15 minutos para
as dez horas, o assistente da Usina
de força e luz dava um sinal característico
apagando as luzes e ligando imediatamente,
numa espécie de pisca-pisca, ocasião em que as moças
que se encontravam ao redor da Igreja-Matriz e
do Jardim empreendiam correria em direção
às suas casas, cumprindo à risca as
advertências feitas pelos pais quanto ao
recolhimento ao lar.
O eficiente
motorista ABEL tinha chegado de viagem
por volta das 09 horas da noite, e
como de costume, após o jantar, sentara-se sobre
sua calçada em aconchegante cadeira
conhecida como "espreguiçadeira". Após o
apagar da iluminação pública, continuou, mesmo sob
escuridão quase total, sentado na calçada,
contando fatos ocorridos durante sua viagem
rumo à cidade de Fortaleza. Tinha o
costume trazer o seu revólver preso
à cintura. Por volta das onze horas
da noite, eis que o Abel viu um vulto
caminhando em sua direção, ocasião em que
o mesmo ficou em estado de alerta.
Receando tratar-se de alguém com intenções
diabólicas, já que deixara alguns desafetos
no seu estado da Paraíba, perguntou três
vezes quem era que se aproximava, tendo o
silêncio como resposta e a continuidade da
aproximação. Temendo uma iminente ofensa à
sua integridade física, sacou do revólver e
disparou um tiro em direção ao solo,
tendo a bala ricocheteado em um dos
tijolos bem cozidos e resistentes dos
que compunham a calçada, indo atingir a
doida EDITE na altura do baixo
ventre. Quando a doida foi atingida, deu
um grito, dizendo: "Abel, você me matou!.
Verificado o triste incidente, o Abel foi
até a residência do Coronel Lucas Pinto
onde pegou o caminhão e conduziu
Edite imediatamente para Mossoró, onde a
mesma foi cirurgiada, tendo sido recuperado
em poucos dias, dado o ferimento não ter
sido de natureza grave.
Mais ou
menos por volta do ano de 1976
Edite Pêi-Pôu passou a residir em
Mossoró, no "ABRIGO AMANTINO CÂMARA",
pertencente à paróquia de São José,
destinado a acolher idosos em situação
de abandono familiar. Faleceu por volta do
ano de 1986 neste acolhedor abrigo,
completamente ignorada pelos seus familiares. Foi
na verdade uma "canoa doida", levada
aos trambolhos pelo rio da vida.
Figura curiosíssima do passado do Apodi.
Ainda hoje ecoa nos confins da minha
memória a sua incontida ira, respondendo à
pergunta dos "acanalhados" do meu
tempo: EDITE, CADÊ ABEL?
Tá no rabo da
mãe seu filho duma puta!
Alguns circunstantes
ainda insistiam no achincalhe, gritando bem alto: PÊI-PÔU! Ao que ela continuava no cavaquismo:
Pêi-Pôu é a b....... da sua mãe, Sêo
fresco!
Páginas
escritas com as tintas
da saudade e à luz da memorização
de fatos e personagensque de alguma forma marcaram meusnostálgicos anos na minha amada e sempre querida terrinha.
Meu berço de nascimento e de enlevo de rapazote até os 15 anos de idade,
quando fui estudar em Mossoró, posto que ainda não existia o segundo grau em
Apodi.
Marcos Pinto – Historiador e
Presidente da Academia Apodiense de Letras.