domingo, 4 de dezembro de 2016

Espectros da noite - Universos e Sombras

Por Marcos Pinto. (04.12.2016).

“Qual o tamanho da noite?
A noite tem o tamanho do tamanho que a noite tem.
Nenhuma noite é maior que aquela quando um homem está só".
(Lude Mendes).

Quando Deus criou  o  mundo,  enfeitou  magnificamente   a  noite  com o  brilho  mágico  da  lua e  a luz  especial  das  estrelas,  imprimindo-lhes  um  encantamento  voluptuoso  aos  olhos  das  almas  ardentes.  Inspira poesia em  demasia  aos  poetas  notívagos. A  esses,  não  importa  o  tamanho  da  lua  nem  a  quantidade  das  estrelas.  Nossos  boêmios  noturnos  sempre  deixam  impressões  de  fidalgos  empobrecidos  e  orgulhosos, verdadeiros  "poços  de orgulhos", altivamente  desocupados, desafiadoramente  ociosos   -  espécimes  de  rasgos  de  ócio.  Cínicos  para  sobreviver  a  má  sorte, são  donos  de  humor  satírico, a   princípio   ingênuo  e  depois  perverso  até  onde vai  a  pilhéria.  Patéticos  e  estoicos  nas  suas  pobrezas  duramente  escondidas.  Mais  pose  do  que  capacidade  intelectiva.  Irrequietos  folgazões  com  horizontes  limitados,  acumulando  contratempos, dificuldades  cruentas  e  até  desfechos  em  crimes  passionais.  Ocultam  suas  dores  em  pileques  etílicos   homéricos.  O  alcoolismo  tem  o  poder  de  nos  transportar  ao  mundo  das  evocações  silenciosas,  restritas  ao  ego, de  coisas  vividas  ou  simplesmente  imaginadas.

O seu  manto  apresenta-se  sob  vários  matizes. Escura   e  silenciosa,  a  noite  acumplicia-se  ao  universo  dos  espectros  malignos  e  imaginosos, projetando  sombras  maquiavélicas   cheias  de  inventivas  mortais.  Os  espectros  do  mal  aproveitam-se  do  crepe  para  concretizarem  o  golpe  fatal,  forjado  na  virulência  letal  e  exterminante.  Os  mistérios  sombrios  da  noite  emolduram-se  de  forma  magistral  ao  silêncio  e  a  escuridão, como  marcas inconfundíveis.  Emite imagens  fantasiosas  nas  mentes  das  crianças, surgindo  em  forma  de  lobisomens,  mulas-sem-cabeças, papa-figos, tipos  tradicionais  das  ruas  e  das  estradas.  Essas  figuras  lendárias da  noite  tem  surtos  de  aparição  em "suas  horas",  essas  "horas"  que  elas  próprias  escamoteiam,  burlando  armadilhas  em  forma  de  emboscadas.  Ao  despontar  do  dia, servem  de  elementos  fomentadores  aos  cochichos  dos  madrugadores  desocupados, criadores  de  estórias  envolventes  de  honras  alheias,  em conclusões  precipitadas.

Nas  guerras, os  universos  de  estratégias  bélicas são  formatadas  no  silêncio  da  noite.  Esta, por  sua  vez,  tem  sido  diuturna escola  tanto  para  homens  rudes,  educados  na  valentia, como  para  homens  de  singelos  hábitos e  de  imperturbáveis  serenidades, o  que lhes  proporciona  estoicismo  ante  as  adversidades. Noites  que  retratam  sem  retoques  homens  e  fatos  em  suas   exatas  configurações.

Na  juventude,  a  noite  é  um  romance, desejo  incontido  de  que  as  noites  de  amor  durem  a  noite  toda.  Na  velhice,  é  um recordar  incessante, com  a  ansiedade  premente  de  um  rápido  amanhecer.   Durante  a  noite  dos  idosos a  vida  pesa  indubitavelmente monótona,  e  ás  vezes  cheia  de  agonias. Todos  nós  temos  nossas  horas  de  angústias  e  aflições  caladas  e  reprimidas  na  solidão  da noite.  Revela-se  atroz  no  ermo  de  nossas  almas  feridas,  sem  perspectiva  senão  a  de  ver  o  último  sol  se  por.  Equilibramo-nos  de acordo com as  circunstâncias  entre  tendências  em  conflito  e  a  permanente  insatisfação  com  o  modo  de  vida. Não  há  como  deixar  de   escapar um  traço  de  recalque  e  de  rancor.

A   noite  engendra  conspirações  com  requintes  de   pormenores,  que  até  a  lucidez  mais  moderada se  deixa  eclipsar.  Satura  a  alma  de  ilusões  e  desencantos, testemunhando  ao  longo da  vida  o  triunfo  quase  sempre  da  utopia  deprimente. Revelam  uma  multiplicidade  de  portas  e  partos  prematuros  de  sonhos  irrealizáveis.   Espreita  com  precisão  cirúrgica  a  distância  das  recordações, promovendo  presenças, mapeando  estratégias, catalogando  tristezas, revelando  instigantes  e  voluptuosos  desejos.

Inté.

Marcos Pinto – é advogado e escritor.

Nenhum comentário: