Por
Marcelo Alcoforado
Ainda bem que existe um Brasil sem esses saqueadores
empanturrados de dinheiro, essa chaga a cada dia mais purulenta.
Pena ser somente nas camadas dos menos favorecidos, dos
joões-ninguém, dos sem eira nem beira, dos sem representatividade, que se
encontram os melhores exemplos. Mesmo diante de tantas dificuldades cotidianas,
frequentemente se verificam atitudes que dignificam o ser humano. Um modesto
mecânico cearense, por exemplo, nos dá uma importante lição. Seu nome, José
Ewerton Ribeiro, um anônimo, não corresse em suas veias um raro tipo de sangue,
denominado Bombaim ou Falso O.
Há alguns dias, ele, lutador de jiu-jitsu, quase fazia
uma tatuagem, mas pouco antes de fazê-la lembrou-se de que, como doador,
especialmente de um sangue tão raro, estaria impedido durante um ano de fazer
nova doação. E se alguém precisasse dele? – pensou. Parecia estar pressentindo
algo.
Semana passada, alguém precisou. Alguém cuja vida, ainda
no início, estava prestes a ser ceifada pela necessidade urgente do sangue
Falso O, sim, o mesmo raro tipo de sangue do cearense José Ewerton Ribeiro,
aquele que abrira mão do seu desejo de ser tatuado.
José Ewerton foi localizado pela Opas – Organização
Pan-Americana de Saúde, a colombiana Ana Sofia, de apenas quinze meses de vida,
recebeu a transfusão e, em um final feliz, foi salva. Um brasileiro pôde
retribuir, enfim, a solidariedade de um povo que muito fez por nós quando do
desastre da Chapecoense e que nos dá ainda mais, transmitindo uma valiosa
lição: Medellín, cidade onde vive Ana Sofia, outrora tão marcada pela
violência, hoje é dedicada a festejar a vida. Enquanto isso, no Brasil, a sede
continua. Não a do benfazejo Falso O, mas a do fim dos falsos salvadores da
pátria, dos falsos honestos, dos falsos heróis, enfim, que com sua impostura
têm sugado o sangue dos brasileiros que trabalham honestamente e fazem o bem.
Como José Ewerton Ribeiro, o modesto mecânico do Ceará.
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